quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Severino. O ARTISTA que pra mim não morreu! 













Por Aurivânio Andrade. 

“Papai o “Chaves” morreu”? Indagou-me o meu filho caçula Pedro Hernandes de apenas 04 anos ontem à tarde se referindo, mesmo sem saber, a perda irreparável de Roberto Bolaños - o “Chaves” que “arrancou” risos de várias gerações durante as apresentações do seu programa insubstituível, transmitido pelo Sistema Brasileiro de Televisão – SBT durante décadas. Confirmei que sim, mas logo “remendei” dizendo a ele que “o Chaves” estava no céu brincando com outras crianças de lá. Pedro entendendo bem o que eu dissera, completou: ah, tadinho! Eu gostava tanto dele.” Nessa hora lembrei-me de uma perda irreparável que as crianças da minha época tiveram com a morte de Severino Monteiro, conhecido por “Severino Calungueiro” ou “Severino dos calungas”. Prometo no decorrer dos relatos, explicar esses substantivos que acompanhavam o sujeito.
Severino Monteiro ou Seu Severino como fomos ensinados pelos nossos pais a chamar as pessoas mais velhas, veio das cercanias das regiões serranas dos “BASTIÕES” distrito da cidade de Iracema/CE, nos idos dos anos 40 para trabalhar nas terras de Antônio Torres na cidade de Viçosa/RN. Anos depois, conhecia e casava-se com Raimunda Tavares, também conhecida por todos daqui como: “Mundica” ou “Jopira” como exclusivamente gosto de chamá-la.
Severino foi um dos principais protagonistas do cenário artístico e cultural na minha “VIÇOSA CIDADE” quando da minha época de criança. O mesmo se destacava não só em Viçosa, mas em todos os vilarejos ou que fossem nas fazendas da nossa região se estendendo pelas regiões de caatinga dos estados da Paraíba/PB, do Rio Grande do Norte e do Ceará/CE, sendo este último o seu estado de origem. Suas únicas “ferramentas” de trabalho se resumiam a uma bolsa já um pouco desgastada pelas viagens do sertão onde levava pouquíssimas peças de roupa; uma mala de cumaru recheada de calungas (espécie de bonecos artesanais feitos de madeira e tecido) daí a origem do apelido de “Severino Calugueiro” e claro, sua criatividade e o seu talento. Tudo isso era transportado em cima de uma bicicleta Monark (03 coroas) ano 68. O mesmo era precavido, pois, conduzia uma “bomba” para encher os pneus da mesma, caso viesse a ocorrer algum empecilho durante as viagens - esta era amarrada no varão da sua bicicleta. Como companheiros de estrada o mesmo contava com seu filho Ozanan Monteiro (pandeirista) e Chico de Elvira (Sanfoneiro). Essa dupla era responsável pelas animações musicais das apresentações culturais que o mesmo fazia nas casas grandes das fazendas, nas casas de farinha, nos antigos engenhos de moagens de cana de açúcar etc, etc. Os mesmos levavam de 15 dias a um mês para voltarem pra casa e reverem suas famílias. O elenco que compunha sua peça teatral de fantoche era numeroso e nominado com nomes típicos de personagens do nosso sertão, inclusive todos nominados por ele. Eis-los: João Redondo e suas duas filhas: Maroquinha e Maria Mirioza; Benedito Coco e Cimiro – esse último era cantador. O mesmo gostava de cantar cantigas que retratavam o sertão. Eis o refrão de uma: [....“Ô minha viola. Ô viola boa.Ô minha viola, viola dos sertões das alagoas....”], Seu Macumba - esse era um andarilho que percorria as estradas do sertão; O padre João sem Cuidado cuja atribuição era fazer o casamento de Benedito Coco com uma das filhas de João Redondo(Maroquinha) que o mesmo tinha desonrado; três soldados: Fusquete, Panelada e Fuçura e um Sargento de nome Estufôr. Esse quádruplo era responsável pela segurança e tinha uma árdua missão que era de manter a ordem e prender Benedito Coco. Além de retratar os personagens típicos do nosso sertão, o ARTISTA até então anônimo se preocupava também em retratar a Fauna da nossa região. Somando aos protagonistas já citados, o mesmo criara na sua peça teatral de fantoche, a figura de um BOI nominado por ele de “Boi Surumbim” e uma enorme cobra que comentarei mais adiante. A função do Boi Surumbim na peça era “assombrar e chifrar” Benedito Coco até por fim a sua vida. 
Benedito Coco era um negro forte e valente que levava a vida fazendo baderna, brigando com todo mundo, desonrando as filhas alheias, desafiando a polícia, enfim. O mesmo andava armado com uma faca peixeira (arma típica dos sertanejos da época)dando muito trabalho a polícia e desafiando todos que encontrava pelo caminho. Até o Boi Surumbim o mesmo desafiava. Durante a apresentação era comum visualizarmos as constantes brigas de faca envolvendo Benedito com a polícia e com João Redondo onde o mesmo acabava matando este, inclusive ceifando também a vida de todos os policias. Os únicos personagens que o mesmo tinha medo era de uma “alma” e de uma cobra enorme que aparecia no final do espetáculo assombrando Benedito e toda a molecada que se fazia presente. Inclusive eu. Confesso que a presença daquela “alma” mim causava arrepios e mim tirava o sono naquela noite, passando a dá muito trabalho aos meus pais. Afinal, qual é a criança que não tem medo de almas? A alma e cobra tinham funções distintas na peça teatral de Severino. A primeira assombrava. A última acabava asfixiando e engolindo o valentão. Assim, terminava mais uma noite de espetáculo, entre risos, palmas, arrepios e o medo das crianças que mesmo assustadas retribuíam o talento de um dos principais ícones da Cultura Popular do nosso povo onde orgulhosamente levava o nome da nossa pequenina Viçosa a diversos lugares por onde andava. Aproveito e faço uma pergunta aos meus RARÍSSIMOS leitores de Viçosa. Será que os “artistas” de hoje, (eleitos por muitos daqui) falam de Viçosa onde estão? Duvi-dê-Ó-dó.
Aqui na nossa cidade o mesmo fez várias apresentações nos “salões” das casas de Ananias Mafaldo, Zé Pedro seu genro, na garagem de Mestre Bráz; Genival de Caboquinha, no Mercado Público conhecido pelos boêmios da época como “barracão”, na fazenda de Senhor de Duó entre outras que não mim vem à memória agora.
Severino dos Calugas morreu em outubro do ano de 1988 e foi sepultado no cemitério Pe. Carlos Theisen na cidade de Viçosa/RN cujo cortejo fúnebre fora acompanhado pelas lágrimas dos seus admiradores (destas, a do moleque faminto, raquítico e curioso e CONTRARIADO que hoje escreve) e ao som da melodia da música “meu querido, meu velho, meu amigo” do cantor Roberto Carlos.


Taí o texto número 12. Mesmo no doze.

Um comentário:

  1. É de imensa honra ver a história desse grande artista que, embora com recursos simples e limitados, conseguia extrair a mais pura cultura sertaneja. Fico ainda mais honrado em saber que se trata do meu Bisavó! Agradeço ao blog por disseminar essa histórica tão rica.

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