As "parteiras" dos filhos ausentes.
Por Aurivânio Andrade.
O Sertão Nordestino produziu no passado, várias figuras emblemáticas, todas dignas do nosso respeito, da nossa admiração e do nosso reconhecimento. Dentre elas, trago a figura de Elizeu Ventania (o rei das canções) de Cego Aderaldo, seu Lunga, Patativa do Assaré, Zé Dendê – uma figura folclórica que se dizia virá lobisomem. (Este conheci de perto aqui em Viçosa, na casa do seu amigo Zacaria Belarmino) e tantos outros que de “ouvi dizer” despertou a minha imaginação e a minha curiosidade desde os meus tempos de criança.
O sertão de Viçosa também teve suas figuras emblemáticas. Assim como Rodolfo Mafaldo - pai adotivo do meu pai – Francisco Augusto Cezar, tivemos também Raimundo Torres, Bráz de Souza Barra, Severino Monteiro entre outros que a minha memória mim trai agora. Todavia, trago ao conhecimento das gerações mais novas em meio ao regate, não digo do esquecimento, mas da substituição injusta pelos mais velhos, um pouco da história de outras figuras emblemáticas que deixaram suas “pegadas” no seu torrão e na vida do seu pobre e humilde povo.
Refiro-me, a mulher sertaneja, ou melhor, as MÃES sertanejas. E por falar em mães sertanejas, me lembrei de 05(cinco) MÃES extraordinárias que contribuíram, mesmo que de forma anônima para a formação e a multiplicação do nosso povo. Leia-se: VIÇOSENSE. Dessas cinco, três tive o privilégio de conhecer de perto, e as outras duas, de “ouvir contar”. Essas Mães se distinguiam das demais à época, por três motivos: Pela coragem e “sabedoria”, pela solidariedade com as demais e pela quantidade de filhos que elas abençoavam. Tanto o era, que as mesmas eram conhecidas por “Mãe”. Mãe Preta, Mãe Anja, Mãe Luzia, Mãe dos Anjos e Mãe Licor; sendo esta última, minha avó materna. Essas mulheres foram as que mais contribuíram – diga-se de passagem, na saúde do nosso município. Mesmo numa época dificílima, mas que ainda existia respeito, admiração, valorização e patriotismo entre o nosso povo. As mesmas não tinham salários, não tinham pretensão de cargos políticos e nem de emprego público. Não escolhiam o horário e nem os dias da semana para quem necessitassem de suas ajudas. As mesmas eram solidárias pelas suas “grandezas” diante do seu povo.
O Antropólogo e Professor, Darcy Ribeiro antes de morrer, manifestou a vontade de dar uma aula a uma criança. Durante essa aula, talvez a última de sua vida, o mesmo falou que tinha sido um dos principais responsáveis pela fundação da Universidade de Brasília (UNB) e do Sambódromo do Rio de Janeiro, e logo indagou a criança, se ela saberia a importância dessas duas obras importantíssimas para os cariocas. A criança não sabendo responder, ele logo tratou em explicar: “meu filho, a Universidade é um espaço onde está presente a Cultura Erudita; e o Sambódromo é onde estar presente a Cultura Popular. As duas formas de culturas são indispensáveis para o crescimento da vida de qualquer povo”.
Lendo a história do grande professor Darcy, corroboro com o mesmo pensamento daquele que foi um grande incentivador da educação, da colonização e da liberdade do seu povo. E aqui já adianto, que apesar de está frequentando um desse espaço onde está presente a Cultura Erudita, representada por Advogados, Juízes, Promotores, Sociólogos, Psicólogos, Professores etc.. Jamais perderei o foco e o orgulho de resgatar, propagar e defender a minha principal fonte de inspiração e admiração que é a Cultura Popular. E pra não perder o foco e nem o orgulho, volto as MÃES sertanejas.
A mulher sertaneja de outrora, era - eu disse ERA - símbolo de mulher forte, determinada e corajosa. Pouquíssimas delas, ainda fazem parte do nosso cotidiano, todavia, a maioria ficaram só nas lembranças dos seus filhos e dos seus raríssimos netos que jamais esquecerão os seus feitos. E por falar em feitos – eu disse em FEITOS e não enfeite me debruço no leito da minha memória e nos dizeres dos meus ancestrais para narrar um pouco da história dessas Mulheres até em tão ANÔNIMAS. Entretanto, antes de discorrer sobre o relato não posso esconder dos meus raríssimos leitores ou que sejam curiosos que toda obra humana por si só é imperfeita, inacabada e defeituosa, no entanto, outros poderão da continuidade enriquecendo este pequeno relato (só não me venham com politicagem e/ou babação), mas, de grande contribuição (deste que vos escreve) para as gerações futuras ou quem sabe a geração presente. Eis um dos principais feitos dessas MÃES:
Em INDETERMINADAS horas do dia o que fosse da noite, os maridos das parturientes, ou seja, das mulheres que estavam em trabalho de parto, da nossa, até então, Vila Viçosa, chegavam montados em animais o que fosse a pé chamando-as para ajudarem no trabalho de parto de suas mulheres. Essas heroínas de pronto atendiam o chamado e logo deixavam seus filhos menores na companhia dos filhos mais velhos ou que fosse de seus maridos e saíam acompanhadas com o portador, sobre o frio da madrugada em meio à escuridão, o silêncio da mata fechada, o RESPEITO recíproco e as águas rasas dos riachos Dormente e Forquilha com destino a casa da parturiente. Chegando lá, era nítido ver na face da parturiente o alívio dessa espécie de “socorro médico” que tardava, mas nunca lhe faltava. Como o percurso era longo e feito numa vereda de mata fechada em meio a pedras, cipós, buracos pelo caminho, ao chegarem à casa da parturiente a mesma (parturiente) muitas vezes já estava em trabalho de parto e elas (parteiras) não tinham tempo a perder. Logo, requisitavam um pequeno banco de madeira. Na falta deste, uma “cuia de oito” (espécie de uma caixa de madeira quadrada cuja serventia servia para medir feijão ou milho), que depois de colocada com a "boca" para baixo, fazia a mesma função do banco onde a parturiente era orientada a sentar-se. Logo em seguida, algumas delas vestiam as camisas dos maridos das parturientes pelo avesso e pediam que os mesmos (maridos) ajudassem segurando suas mulheres por trás (pelas costas). Começava de fato o trabalho de parto. Depois de muitos esforços em meio a muitas dores; por sinal, “dores esquecidas” como dizia minha Vó, a criança começava a nascer. Nesse momento, as “parteiras” exerciam ainda mais seu trabalho, ajudando na retirada das crianças e logo em seguida cortavam o cordão umbilical, cujo instrumento cortante era uma tesoura desinfectada com álcool que as mesmas utilizavam para os cortes. Cortado o cordão umbilical, os dois substantivos - a tesoura e o “cordão” tinham destinos diferentes: A tesoura era colocada em cima de uma tábua em forma de cruz onde aquelas famílias eram orientadas a não mexerem. “Essa tesoura deve ficar aqui durante três (03) dias sem ninguém mexer! Avisavam as “parteiras”. Já o cordão umbilical era enterrado em um curral de gado, sobre a crença de que aquela criança ia ser abençoada no futuro. Terminado o trabalho de parto, o mesmo portador que veio buscar a parteira era o mesmo que vinha deixá-la, que fosse pela madrugada o que fosse já pelo amanhecer do dia, a depender do parto. Se houvesse complicações durante o trabalho de parto, o que às vezes ocorria, era preciso muitas rezas e pedir ajuda a duas parteiras de Portalegre/RN conhecidas por “Chiquinha da Maternidade” e “Agá”. Essas duas prestavam seus “serviços médicos” de maneira; digamos mais avançados do que as daqui, para os padrões da época.
As parteiras dos filhos ausentes de Viçosa apesar dos seus inúmeros feitos, ou melhor, “PARTOS”, continuam até hoje no rol do esquecimento do nosso povo, principalmente dos “seus filhos” que ocuparam, isso mesmo - OCUPARAM as cadeiras do legislativo viçosense e nunca enviaram um projeto de lei se quer (até a data de hoje 15/02/2015 (data do meu aniversário) para fazer justiça nomeando-as em qualquer Órgão Público da nossa cidade, principalmente os ligado a SAÚDE do nosso município. Todavia, trago ao conhecimento dos mais novos e ao mesmo tempo, reativos nas lembranças dos mais velhos e deles espero ONDE QUER QUE EU ESTEJA à cobrança das provas do que digo!
Taí o texto Nº13. Mais uma vez enfrentando o preconceito, ignorando a visão míope do meu povo e lambendo uma rapadura para apresentar as provas do que digo!
Boa reflexão! De texto e de imagens.
Nenhum comentário:
Postar um comentário