terça-feira, 2 de junho de 2015


A paçoca da merendeira Joana e a paciência de Tereza

  

Joana Faustino.
Ex merendeira da Escola Estadual Ozéas Gomes Pinto.




           Tereza Bruno.
                                                Ex merendeira da Escola Estadual Ozéas Gomes Pinto.                                                  
                    
Por Aurivânio Andrade.
Hoje pela manhã, ao mim sentar em frente à tela branca e vazia do meu computador, fiquei pensando em algo que pudesse escrever para aliviar o tédio e enganar a solidão. Por sinal, visitas inconvenientes e desgraçadamente chatas! Essas não me deixa quieto nem na hora de dormir. Mas, confesso que ignorei as visitas e procurei me lembrar de outras coisas mais importantes que passaram na minha vida; destas, a minha estadia durante parte da minha infância no meu saudoso e inesquecível Grupo Escolar. Por falar em grupo escolar, o último relato que fiz de lá, foi sobre os meus saudosos e inesquecíveis professores primários.
Hoje, vou falar de outros personagens, de outras mulheres VIÇOSENSES, que também contribuíram, mesmo que de forma indireta, para minha educação e para minha alimentação. Minha e da cambada de moleques magricelos, que assim como eu, na mesma época, também passaram por lá. De antemão, começo dizendo que essa minha pequena passagem por aquela pequenina escola, mas grande aos meus olhos de criança durante o início dos anos 80, além de mim fazer um aluno privilegiado, hoje, mim credencia, me permiti e me induz a resgatar a história já apagada da memória do nosso povo, que a meu ver, estão contaminados pela amnésia contemporânea que tomou conta de todos. Da juventude de pele limpa e de cabelos pintados aos adultos de pele enrugadas e de cabelos pintando. 
Refiro-me a história das saudosas merendeiras Joana Faustino e Tereza Bruno. Ambas, ex merendeiras da nossa antiga Escola Primária Ozéas Gomes Pinto, durante os idos dos anos 70 e dos anos 80. A mais destacada pela referência na educação infanto-juvenil da minha até então, pequenina e já cobiçada Viçosa.
Nessa época, vivíamos uma pobreza generalizada. Não tínhamos nada. A não ser os valores morais que herdávamos dos nossos pais/avós, dos nossos professores, e a esperança que nos fazia acreditar e sonhar em dias melhores – eu disse que nos fazia. Por falar em valores morais, percebo que as gerações mais nova, tem de tudo. Menos estes, que é uma marca peculiar da minha geração e das gerações que me antecederam. 
Logo, iniciava a ano letivo. A molecada toda ficava ansiosa para ir à escola no dia seguinte. Que fosse pela primeira vez, ou que já fossem veteranos. Não importava. O que importava era ir à escola. Muitos talvez fossem como uma forma de pretexto para não irem para o roçado ou que fosse para merendar na hora do recreio como nós chamávamos - o que hoje os alunos chamam de intervalo. Às 7:00hs da manhã, começavam as aulas. A 1ª- Série primária onde eu estudava, funcionava num salão ao lado esquerdo, em frente à cozinha. Já a 2ª- Série primária onde estudavam meus outros irmãos, funcionava ao lado direito, por traz da cozinha. Por volta das 7:10hs, ou seja, após dez minutos do começo da aula, o cheiro que advinha da cozinha, adentrava na nossa sala de aula que ficava logo a frente, por pouco não nos tirava a atenção daquelas memoráveis aulas de Português, de Ciência, de Estudos Sociais o que fosse de Matemática. Era a carne de Jabá que já estava cozinhando num caldeirão grande sobre um fogão a lenha para logo mais as merendeiras fazerem a tão saborosa e inesquecível paçoca de carne de Jabá. As mesmas trituravam a carne e misturavam com farinha de mandioca a qual era acompanhada de feijão de corda onde depois de servida “matava” a nossa fome e nos abriria um novo sorriso naquelas manhas de um ano qualquer. O tempero da nossa merenda era: colorau caseiro - cuja matéria prima advinha das sementes de urucu, uma planta nativa da América Tropical, mas que era encontrada com certa facilidade no quintal das nossas casas; Pimenta; Coentro; Cebola de fio; Óleo de algodão Pajeú; Sal e Margarina Primor – esta última vinha enlatada numa lata de flandres, cujo sabor jamais fora degustado por outras gerações. Somavam-se a estes, a dedicação que as merendeiras Joana e Tereza tinham nos seus afazeres, paciência, que por sinal, tinham de sobra; amor e vontade de verem aquelas criança raquíticas e famintas alimentadas. Bem diferente de hoje, que apesar de ter todo tipo de tempero, razoáveis salários, andam longe, muito longe daquela comida cheirosa e saborosa que por aqui já não se saboreia mais. Nem aqui e nem noutro lugar. Por falar em dedicação era a própria merendeira Tereza Bruno a responsável pelo abastecimento de água da nossa escola uma vez que ainda não existia água encanada e o mesmo (abastecimento) era feito num galão que consistia num pau com duas latas de 18 litros uma em cada extremidade, onde a mesma ia pegar água nos cacimbões de Aldo Fernandes e de Elias Tavares. Ambos, vizinhos e parceiros da nossa escola. Uma tarefa difícil e pesada, mas, devido a "força" da mulher sertaneja de outrora, aliada a coragem e a solidariedade de Tereza, os nossos primeiros passos na escola, jamais foram interrompidos. Logo cedo, enquanto Joana cuidava da limpeza das salas de aula, da cozinha, dos banheiros e da diretoria, Tereza abastecia tudo. Os potes da cozinha, o filtro de barro onde nós bebíamos água, os tanques dos banheiros e outros recipientes que serviam para os demais serviços de limpeza da escola.
Véspera do recreio. Era comum ver o entre e sai da molecada que acabavam inventando a professora, que iam beber água. O nosso bebedouro era um filtro de barro colocado numa banquinha de madeira que ficava no pátio da escola acompanhado de uma bandeja grande onde se colocava os copos, por sinal, todos de uso coletivo. Entretanto, o nosso objetivo era outro, menos o de beber água. O que nós queríamos de fato era ver se as merendeiras já estavam colocando a tão desejada e esperada merenda no parapeito do janelão da cozinha que ficava de frente para a porta da minha sala de aula. Logo eu presenciava Tereza Bruno colocando pacientemente os pratinhos de plástico de cor azul escuro enfileirados que nos aguardavam enquanto a nossa professora nos liberava para merendar. Cinco minutos depois, Pronto! Estávamos liberados para merendar. Para muitos, o verbo MERENDAR nessa hora, mudava de nome e de conjugação, e dava lugar a outro verbo, qual seja o verbo ALMOÇAR. É que para alguns, as dificuldades que os cercavam, eram tão grande, que aquela merenda às vezes servia de almoço. A nossa diretora Dona Irene, (por falar em Dona Irene, depois como a prometi, farei um resgate da sua também valiosa contribuição na educação dos filhos da nossa Viçosa de ONTEM), e os demais professores nos organizavam em uma fila única, meninos e meninas, e aos poucos as nossas merendeiras iam entregando os pratinhos rasos com a nossa merenda. Muitos comiam rápido no intuito de repetirem, o que às vezes não acontecia, tendo em vista que eram muitos meninos ou que fosse muita fome para pouca merenda. Todavia, era comum alguns meninos aproveitarem as sobras de merenda dos outros meninos que às vezes por “fastio” como dizia minha vó, acabavam sobrando. Não era raro. Mas às vezes acontecia. O uso coletivo dos copos onde todos faziam uso para beberem água, que tivessem gripados com sarampo ou com outras doenças qualquer, uma vez que não existia copos descartáveis, e o reaproveitamento das sobras de comidas, inclusive, reaproveitávamos nos mesmos pratos, é a explicação plausível e convincente para atestar o porquê que sou tão sadio, tão destemido, tão solidário, tão “forte” e de uma personalidade ímpar. Ímpar e forte.
Por fim, finalizo esse singelo resgate dessas mulheres que apesar de serem de famílias simples como a minha, também deixaram seus legados contribuindo com a educação e com a alimentação da nossa massacrada geração, mesmo numa época difícil, em meios a tantas renúncias, mas, todos os dias, sobre o sol forte e os percalços do caminho, estavam lá, e sem reclamarem, para fazer a nossa tão desejada merenda. Aproveito para dizer aos meus fiéis e raríssimos leitores e a nossa “geração beleza” de hoje que as valiosas contribuições dessas Mulheres, somada a dos meus outros professores primários e sem dúvida nenhuma, a participação efetiva da minha saudosa mãe, Dona Bernadeth na minha vida, foram à base para que eu fosse a criança e o adolescente inteligente e sonhador de ontem, o Homem destemido e solidário de hoje e o, não digo velho, mas o Ancião realizado que serei AMANHÃ...............

Taí o texto de Nº 16. Fiel e solidário com o nosso povo como foram as nossas merendeiras!
Boa reflexão! De texto e de imagens.




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