terça-feira, 31 de março de 2015



O espetáculo sem graça.




Por Aurivânio Andrade

Dizia o escritor potiguar François Silvestre de Alencar, que a principal identidade cultural de um povo é a sua própria cultura. E ele tem razão. No nosso caso, a nossa mais autêntica identidade cultural é a nossa Cultura Popular. Principal fonte da minha INSPIRAÇÃO, da minha ADMIRAÇÃO e do meu RESPEITO. Dentre varias manifestações culturais que “vi de perto, e por isso contarei de certo” noutro momento, tínhamos a apresentação de fantoches (cujo principal mestre, tínhamos Severino Monteiro, natural das serras dos (BASTIÕES) distritos da cidade de Iracema/CE, mas radicado na minha cidade por laços matrimoniais e mais tarde familiar.)Tínhamos ainda, as istórias - eu disse “istórias” e não histórias - contadas pelos nossos antepassados, as cantoria de violas, alguns tipos de crendices que já não existem mais etc...Todavia, peço licença aos meus ancestrais, por ignorar algumas de suas artes e falar sobre a arte circense. Por sinal, o tipo de arte que mais marcou a minha vida de moleque pobre e injustiçado, mas, acima de tudo, FORTE, SONHADOR, ESPERTO, INTELIGENTE e que se distinguia dos demais, pelo seu poder de superação que se mantém até hoje num processo cíclico. ·.
O circo é uma arte milenar que teve sua origem na Europa desde a antiguidade e que persistem até hoje, mesmo com os avanços tecnológicos, inclusive no campo televisivo, que por sinal, aliena mais do ALEGRA. No Brasil, o circo chegou ao inicio do século XIX com famílias vindas da Europa. Todavia, o mesmo só chegou a minha cidade nos anos 70 para a alegria da molecada daquela sofrida década. Em meados dos anos 80 a molecada não tinha outra coisa a não ser dormir cedo e acordar cedo para ir para a escola ou que fossem para a roça. Só tinham o direito de brincarem na parte da tarde ou que fosse à ora do recreio e na parte interna do nosso pequenino e saudoso grupo escolar. Em uma tarde ensolarada de setembro, véspera do dia da criança, eu me encontrava brincando no quintal da minha casa junto com meu outro irmão Adeilton Andrade que morreu precocemente, quando chegou Souza, um amigo meu de infância gritando: “Rica! Rica! Rica!” “Chegou um circo e está lá em frente à casa de vovó.” Nesse momento abandonava meus brinquedos, inclusive a roladeira (espécie de brinquedo feito com uma lata de óleo cheia de areia, um pedaço de arame enfiado nas suas extremidades e um pedaço de cordão de rede que servia para puxá-la) e corria com meus pés descalços, sem camisa, com o calção de elástico, por sinal, remendado, quase caindo para ver a montada do mesmo. Chegando lá e não vendo o circo, uma vez que o mesmo não estava montado ainda, o que mim chamava mais a atenção eram os animais presos pela estupidez humana, cenas que se matem até hoje no meu “armário imaginário” onde guardo as lembranças e as frustrações do passado. Dois dias depois, o circo que era grande aos meus olhos e pequeno e pobre aos olhos dos adultos, estava pronto. Estando pronto, era a vez de anunciarem pelas pouquíssimas ruas da minha cidade, que por sinal, são pouquíssimas até hoje, o espetáculo de logo mais a noite. O anúncio era feito pelo protagonista do circo (o palhaço que também era o dono) acompanhado pela molecada. Bem diferente de hoje, onde é feito por um carro de som. Tirando de uma só investida, PARTE da alegria contagiante dos seus únicos clientes, diga-se de passagem, assíduos e fiéis. Por volta das 4:00hs da tarde eu pedia a minha mãe que mim banhasse, visando as 5:00 horas está lá no circo para acompanhar o palhaço que logo sairia as ruas anunciando o espetáculo de logo mais a noite. “Quem gritar mais e mais alto, ganhará um ingresso.” Dizia o palhaço cercado de meninos antes de sair às ruas. Nesse momento eu dizia pra mim mesmo: “Deixe comigo!” E aí saíamos às ruas. O palhaço logo gritava: “Hoje tem espetáculo?” respondíamos: “Tem sim sinhôr!” “as 9:00 horas da noite?” “É sim sinhôr!” E ele prosseguia no meio das ruas e nós com a resposta, embora ensaiada, na “ponta da língua”, saíamos gritando atrás. Quando retornávamos ao circo, era hora de recebemos os ingressos prometido pelo palhaço. Confesso que muitas vezes, o palhaço, um dos artistas que eu mais admirava, era injusto conosco. Ao invés de fazer justiça entregando os tão cobiçados ingressos em nossas mãos, o mesmo acabava jogando para o alto e ainda instigávamos a “descascar a jurema”, ou seja, darmos tapas uns nos outros. Eu como era raquítico, ou seja, magricelo, embora com a voz já rouca e a garganta seca de tanto gritar, acabava ficando em desvantagem e pra minha tristeza, sem pegar um dos ingressos, voltava pra casa: Triste, desconfiado, rouco e enraivado. Mas, como era criança, esses adjetivos logo mim deixava quieto e eu voltava novamente a sorrir. Chegada à noite, minha mãe logo avisava que não tinha dinheiro para comprar os nossos ingressos. “Ou tem pra todo mundo ou não tem pra ninguém.” Dizia ela olhando pra mim e para os meus outros quatro irmãos. Até que eu aceitava as palavras da minha mãe. Mas, mesmo assim, saía para o circo que ficava próximo a minha casa, e ficava na entrada ou que fosse próximo à bilheteria no intuito de alguém ter compaixão de mim e por ventura acabasse mim presenteando com aquele tão sonhado e desejado ingresso. Pernoitava em frente ao circo até começar o espetáculo e nada! Logo começava, e lá de fora eu ouvia o palhaço provocando a plateia entre risos, palmas, gritos, vaias, etc.... E eu permanecia lá fora. Só que não mais enfrente ao circo. Mais de um lado e do outro na busca de ludibriar os vigias e passar por debaixo dos panos sem ninguém ver, como diz a letra da música “POR DEBAIXO DOS PANOS” do cantor Ney Matogrosso. Mas, como meus pais nos ensinaram a sermos honestos, apesar de ter tido oportunidade de entrar de maneira escondida, confesso que não tive coragem de ser INFIEL (inclusive, isso mim acompanha até hoje) aos ensinamentos dos meus pais e ficava até o final do espetáculo no lado de fora. Chegado o final do espetáculo, por volta das 22:00, encerrava pra mim, mais uma noite de espetáculo, que pra mim não tinha graça!

Taí o texto Nº 08. O oitavo que mim deixou sem graça. E ainda assim como os outros, mim fez banhar-me de lágrimas.
Boa reflexão!

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