segunda-feira, 2 de maio de 2016

O Barracão das recordações




Por Aurivânio Andrade.

          O escritor, poeta e tradutor chinês Lin Yutang, dizia que o homem só envelhece quando perde a capacidade de aprender, de ensinar, de escrever, de pensar, de amar, e revoltasse.
Se assim o for, e eu acredito que assim o é, ao contrário de muitos, estou cada vez mais rejuvenescido. E esse rejuvenescimento todo só vem aflorar ainda mais a minha capacidade de pensar, a minha “habilidade” de escrever e a minha coragem de materializar meus pensamentos, fazendo de mim, uma marca peculiar da minha, ou quem sabe até das novas e futuras gerações de Viçosa. E por mencionar o verbo pensar precedido do adjetivo coragem, me revisto de O Aquiles do sertão” - Aquiles foi um dos personagens de Homero e um dos maiores herói/soldado da mitologia grega; filho de Tétis e do imortal Peleu. Todavia, me camuflo em meio a sua armadura, porém, com os calcanhares protegidos para narrar à história do barracão das recordações; ou melhor, o esboço da história do Mercado Público da minha Viçosa.
O sentido aqui de posse - e não pose, nos dizeres do escritor François Silvestre se justifica por dois motivos: O primeiro é que aqui eu tenho casa. O outro é que aqui eu tenho cova. Ou melhor covas. É aqui que repousam meus ancestrais.        
         
          Hoje, deixo de lado a história pessoal do meu povo, de quem tanto já falei e não me cansei, e me permito agora falar dos seus bens; ou melhor, dos nossos Bens. Refiro-me aos Bens Públicos, em especial sobre o nosso Mercado Público; principal arena festiva dos boêmios anônimos que deram início a criação da nossa Viçosa de até então.
Entretanto, para robustecer ainda mais o meu relato, tenho que viajar no tempo e reviver, mesmo sem ter vivido, os anos 50. Na volta, carregando há pouco mais de 35 anos a “mala das lembranças”, haverei de me reencontrar com os anos 80 e também 90, e reviver aqueles memoráveis anos que marcaram a juventude da minha cerceada e vitimada geração.
         
           No início dos anos 50, Viçosa ainda era distrito da cidade de Portalegre, e a nossa economia, advinha principalmente da agricultura de subsistência (plantação de milho, feijão e arroz), e da criação de gado. De gado e de barro. Pois existia algumas artesãs aqui como Julia Dionise, Astrogilda Sabino, Antônia Ferreira, Maria de Asgostinho Sabino entre outras que do barro tiraram parte do sustento de suas famílias.            
            
           O local onde ainda hoje se encontra o “barracão de Viçosa”, inclusive, esquecido e desprezado, vítima do tempo e de um impasse (facílimo de ser resolvido – o nome em negrito por si só diz tudo), entre o PODER público e o poder privado era um curral de gado de propriedade de Ozéas Gomes Pinto, um dos patriarcas que doou parte (só parte) de suas terras para a criação da nossa vila.
            Terra doada, faltava o material para o início da obra. Foi então que Antônio Torres de Paiva, um dos maiores fazendeiro de Viçosa da época, doou todo material para a construção do mesmo. Antônio Torres era o pai de Terezinha Torres, além de outros filhos que não me vem e nem convém expor agora. Nem agora e nem depois. Não preciso disso.

          Em meado dos anos 50(1954) os mestres de obra por nomes de Zé Almino e Paulo Elias, os mesmos que estiveram à frente da obra do Hospital Maternidade de Portalegre, local onde nasci, iniciava a obra do barracão de Viçosa. Estando pronto, logo se iniciara no seu interior uma pequena feira de frutas, queijos, manteiga, tecidos e outras iguarias. Os pequenos botecos de propriedade privada (hoje alguns em ruínas), davam lugares a barbearias, pequenas lojas de tecidos, açougues, mercearias, bares além de servirem de paradas para os andarilhos ou que fossem para a clientela mais interessada.
Por lá, passaram: João Fernandes; Zé de Melquíedes; Estevo Brilhante; Elias Tavares; Zacaria Belarmino; Geraldo Monteiro; Chico de Rodolfo (meu pai); seu Ancelmo, Antônio e Senhor de Duó, Horácio Turíbio, Epitácio Tavares, Sandoval Pinto; Chico Elizeu; Américo Lopes; João Luzia; Zé de Bento; Jaime Mafaldo; Chico de Horácio; Antônio Silvério; Pretim Barra; Chico Sabino; Francisco Monteiro; Paulo Cabral; Antônio e Joaquim de Zélia; Paulo, Chico e Zé de Catarina; França e Cícero de Horácio entre tantos outros que a minha memória me trai agora.
          
            Pelo que “ouvir dizer”, além das inúmeras apresentações culturais, lá fora palco também de vários enredos policiais. Todavia, ignoro este último, e prossigo no meu relato, relatando para as novas gerações o que houve de melhor naquele saudoso, e hoje, ignorado e desprezado espaço cultural.  

           Por falar em espaço cultural, também pelo que “ouvir contar”, lá foi palco de várias apresentações culturais que alegraram e que contagiaram as noites festivas daqueles homens e daquelas mulheres que naquela época viveram os tempos áureos de suas juventudes.
           Quem nunca ouviu falar em Gabriel Leite; Chico Cosme; Elizeu Ventania; Zé Soares (tocador de Clarinete); do martinense Adalto Lundugero (tocador de Fole); de Chico de Zoroastro; dos umarizalenses de apelidos “Caindim” e Quinval? E Janjão? O mais consagrado musico(sanfoneiro) da cidade de Martins. Estes foram os principais artistas musicais daquela longínqua época que por lá se apresentaram.
          Quem nunca ouviu falar das festas de casamento; das festas dos Mês de maio que ocorreram lá? Quem nunca ouviu falar do “cinema” que eu presenciei lá? Quem nunca ouviu falar das maiores quadrilhas juninas que por lá se apresentaram, e que marcaram a fase da minha adolescência? Quem nunca ouviu falar das festas onde se escolhia a mais bela voz da nossa cidade? E das festas dos destaques do ano; quem nunca ouviu falar? Quem nunca ouviu falar dos “Conjuntos musicais” (hoje denominados de Bandas) de forró de pé de serra como Chico de Elvira; Linder Som; Geração 2000; Alfa Set; Força Livre; Os Bárbaros; Caçula Benevides; entre tantas e tantas outras que tive o privilégio de presencia-las? Ora, Só podem ser os “ignorantes” ou INIMIGOS da cultura. Rica, mas indefesa cultura.

          Por fim, manifesto as minhas condolências e o meu pesar; pela cultura, pela memória dos meus antepassados e também pelo atentado contra parte da história que marcou a nossa INDEFESA, mas sonhadora geração.
         
Taí mais um texto. O de Nº19. Um cutucão nos INIMIGOS da cultura. Da nossa INDEFESA e DESPREZADA cultura! 

Boa reflexão! De texto e de imagem.    






Um comentário:

  1. Parabéns pelo belíssimo texto capaz de comover muitos leitores.Acredito que assim como eu, muitos que viveram seus memoráveis anos dourados na década de noventa, ao ler esse texto foram levados a remexer na citada " mala das recordações".Quanto ao Aquiles , acho melhor ele usar botar...e das boas!

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