O Barracão das recordações
Por Aurivânio Andrade.
O escritor, poeta e tradutor chinês
Lin Yutang, dizia que o homem só envelhece quando perde a capacidade de
aprender, de ensinar, de escrever, de pensar, de amar, e revoltasse.
Se
assim o for, e eu acredito que assim o é, ao contrário de muitos, estou cada vez mais rejuvenescido. E esse
rejuvenescimento todo só vem aflorar ainda mais a minha capacidade de pensar, a
minha “habilidade” de escrever e a minha coragem de materializar meus
pensamentos, fazendo de mim, uma marca peculiar da minha, ou quem sabe até das
novas e futuras gerações de Viçosa. E por mencionar o verbo pensar precedido do
adjetivo coragem, me revisto
de “O
Aquiles do sertão” - Aquiles
foi um dos personagens de Homero e um dos maiores herói/soldado da mitologia
grega; filho de Tétis e do imortal Peleu. Todavia, me camuflo em meio a sua
armadura, porém, com os calcanhares protegidos para narrar à história do barracão das recordações; ou melhor, o
esboço da história do Mercado Público da minha
Viçosa.
O sentido aqui de posse - e não pose, nos dizeres do escritor François
Silvestre se justifica por dois motivos: O primeiro é que aqui eu tenho casa. O
outro é que aqui eu tenho cova. Ou melhor covas. É aqui que repousam meus
ancestrais.
Hoje, deixo de lado a
história pessoal do meu povo, de quem tanto já falei e não me cansei, e me permito
agora falar dos seus bens; ou melhor, dos nossos Bens. Refiro-me aos Bens Públicos,
em especial sobre o nosso Mercado Público;
principal arena festiva dos boêmios anônimos que deram início a criação da
nossa Viçosa de até então.
Entretanto, para robustecer ainda mais o meu relato, tenho que viajar no
tempo e reviver, mesmo sem ter vivido, os anos 50. Na volta, carregando há
pouco mais de 35 anos a “mala das lembranças”, haverei de me reencontrar com os
anos 80 e também 90, e reviver aqueles memoráveis anos que marcaram a juventude
da minha cerceada e vitimada geração.
No início dos anos 50,
Viçosa ainda era distrito da cidade de Portalegre, e a nossa economia, advinha principalmente
da agricultura de subsistência (plantação de milho, feijão e arroz), e da
criação de gado. De gado e de barro. Pois existia algumas artesãs aqui como Julia Dionise, Astrogilda Sabino, Antônia
Ferreira, Maria de Asgostinho Sabino
entre outras que do barro tiraram parte do sustento de suas famílias.
O local onde ainda hoje
se encontra o “barracão de Viçosa”,
inclusive, esquecido e desprezado, vítima do tempo e de um impasse (facílimo de
ser resolvido – o nome em negrito por si só diz tudo), entre o PODER público e o “poder” privado era um curral de
gado de propriedade de Ozéas Gomes Pinto, um dos patriarcas que doou parte (só
parte) de suas terras para a criação da nossa vila.
Terra doada, faltava o
material para o início da obra. Foi então que Antônio Torres de Paiva, um dos maiores fazendeiro de Viçosa da
época, doou todo material para a construção do mesmo. Antônio Torres era o pai de Terezinha
Torres, além de outros filhos que não me vem e nem convém expor agora. Nem
agora e nem depois. Não preciso disso.
Em meado dos anos
50(1954) os mestres de obra por nomes de Zé Almino e Paulo Elias, os mesmos que
estiveram à frente da obra do Hospital Maternidade de Portalegre, local onde
nasci, iniciava a obra do barracão de Viçosa. Estando pronto, logo se iniciara
no seu interior uma pequena feira de frutas, queijos, manteiga, tecidos e outras
iguarias. Os pequenos botecos de propriedade privada (hoje alguns em ruínas),
davam lugares a barbearias, pequenas lojas de tecidos, açougues, mercearias,
bares além de servirem de paradas para os andarilhos ou que fossem para a
clientela mais interessada.
Por lá, passaram: João Fernandes;
Zé de Melquíedes; Estevo Brilhante; Elias Tavares; Zacaria Belarmino; Geraldo
Monteiro; Chico de Rodolfo (meu pai); seu Ancelmo, Antônio e Senhor de Duó,
Horácio Turíbio, Epitácio Tavares, Sandoval Pinto; Chico Elizeu; Américo Lopes;
João Luzia; Zé de Bento; Jaime Mafaldo; Chico de Horácio; Antônio Silvério; Pretim
Barra; Chico Sabino; Francisco Monteiro; Paulo Cabral; Antônio e Joaquim de
Zélia; Paulo, Chico e Zé de Catarina; França e Cícero de Horácio entre
tantos outros que a minha memória me trai agora.
Pelo que “ouvir
dizer”, além das inúmeras apresentações culturais, lá fora palco também de vários
enredos policiais. Todavia, ignoro este último, e prossigo no meu relato,
relatando para as novas gerações o que houve de melhor naquele saudoso, e hoje,
ignorado e desprezado espaço cultural.
Por falar em espaço
cultural, também pelo que “ouvir contar”, lá foi palco de várias apresentações
culturais que alegraram e que contagiaram as noites festivas daqueles homens e
daquelas mulheres que naquela época viveram os tempos áureos de suas juventudes.
Quem nunca ouviu falar
em Gabriel Leite; Chico Cosme; Elizeu Ventania; Zé Soares (tocador de
Clarinete); do martinense Adalto Lundugero (tocador de Fole); de Chico de
Zoroastro; dos umarizalenses de apelidos “Caindim” e Quinval? E Janjão? O mais
consagrado musico(sanfoneiro) da cidade de Martins. Estes foram os principais
artistas musicais daquela longínqua época que por lá se apresentaram.
Quem nunca ouviu falar
das festas de casamento; das festas dos Mês de maio que ocorreram lá? Quem
nunca ouviu falar do “cinema” que eu presenciei lá? Quem nunca ouviu falar das
maiores quadrilhas juninas que por lá se apresentaram, e que marcaram a fase da
minha adolescência? Quem nunca ouviu falar das festas onde se escolhia a mais
bela voz da nossa cidade? E das festas dos destaques do ano; quem nunca ouviu
falar? Quem nunca ouviu falar dos “Conjuntos
musicais” (hoje denominados de Bandas)
de forró de pé de serra como Chico de Elvira; Linder Som; Geração 2000; Alfa
Set; Força Livre; Os Bárbaros; Caçula Benevides; entre tantas e tantas outras
que tive o privilégio de presencia-las? Ora, Só podem ser os “ignorantes”
ou INIMIGOS da cultura. Rica, mas
indefesa cultura.
Por fim, manifesto as minhas
condolências e o meu pesar; pela cultura, pela memória dos meus antepassados e também
pelo atentado contra parte da história que marcou a nossa INDEFESA, mas
sonhadora geração.
Taí mais um texto. O de Nº19. Um cutucão nos INIMIGOS da cultura. Da nossa INDEFESA e DESPREZADA cultura!
Boa
reflexão! De texto e de imagem.
Parabéns pelo belíssimo texto capaz de comover muitos leitores.Acredito que assim como eu, muitos que viveram seus memoráveis anos dourados na década de noventa, ao ler esse texto foram levados a remexer na citada " mala das recordações".Quanto ao Aquiles , acho melhor ele usar botar...e das boas!
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